quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

História da Astrologia II (da Babilónia à Internet)

Ptolomeu

Primeiros registos: Mesopotâmia, Grécia e Egipto

A astrologia ocidental é parte integrante da herança cultural recebida do Oriente Médio.
A sua origem ainda é discutida [3], mas os primeiros registos documentados de que se tem notícia actualmente, foram feitos em escrita cuneiforme sumeriana, sobre tabuinhas de argila [4], e são originários da região de Lagash, governada por Gudea (aproximadamente 2122-2102 a.C.).

Entretanto, o principal documento da astrologia mesopotâmica que nos restou é o Enuma Anu Enlil, uma compilação de cerca de setenta tabuinhas encontradas na biblioteca real de Nínive, escritas no século VII a.C., que incorporam material mais antigo. [5]

Costuma-se atribuir a Berose, sacerdote babilónico enviado à Grécia após a conquista da Mesopotâmia por Alexandre (331 a.C.), a responsabilidade por levar a astrologia mesopotâmica para a Grécia, contudo, Tamsym Barton refere-se a Sudines, um adivinho babilónico, que viveu cerca de uma geração após Berose, como "primeiro indivíduo datável citado como fonte por pelo menos um astrólogo" [6].

Esse astrólogo, que cita Sudines, é Vettius Valens (século II d.C.).
Barton conta também que há quem atribua ao astrónomo grego, Hiparco (século II a.C.), a responsabilidade pela popularização da astrologia.
"Entretanto, a maioria dos historiadores modernos tem menos inclinação que os antigos a identificar indivíduos como responsáveis por desenvolvimentos intelectuais, e olham preferencialmente para as circunstâncias do período, a fim de explicar o intercâmbio de idéias." [7]
Dessa maneira, não faz sentido atribuir a um ou mais indivíduos, a responsabilidade pela difusão do sistema astrológico.
Berose e Sudines seriam, portanto, exemplos das migrações de indivíduos da Mesopotâmia para a Grécia, que ocorreram após as conquistas de Alexandre, responsáveis pela transmissão das tradições mesopotâmicas.

Independentemente de não ser possível datar com precisão se a astrologia grega começou realmente no século III a.C, tudo indica que, conforme as evidências mencionadas anteriormente, ela partiu da Mesopotâmia e foi levada para a Grécia, onde ganhou a aparência de ciência [8].
É no mundo helénico, portanto, especialmente na Alexandria de Ptolomeu (século II d.C.), que se dá a grande sistematização da astrologia, provavelmente também com influências indianas.
Ptolomeu é um dos nomes dominantes da astrologia helenística.

No seu artigo, "A influência de Aristóteles na obra astrológica de Ptolomeu" (O Tetrabiblos), Roberto Martins faz uma análise do Tetrabiblos, comparando-o com outras obras da época, e demonstra que a grande influência de Ptolomeu, ao contrário do que afirma a interpretação tradicional, é de Aristóteles e não dos estóicos [9], considerando-se que a filosofia aristotélica admite que eventos terrestres, como os fenómenos meteorológicos, as marés, as formações rochosas e a geração de vida na Terra, sejam afectados pelos movimentos dos corpos celestes, conforme postula a astrologia [10].

Além disso, a concepção de mundo na qual Aristóteles se insere, que é apresentada no Timeu [11], de Platão, é absolutamente compatível com o sistema astrológico.
Segundo Marcus Reis, em texto ainda não publicado, há pelo menos quatro pontos importantes no Timeu que corroboram isso:
1) visão teleológica da realidade, que nos possibilita dar sentido aos fenómenos celestes e traçar uma relação com os terrestres;
2) isonomia entre o cosmos, a cidade e o homem, i.e., essas três instâncias da realidade possuem estruturas semelhantes e correlacionadas;
3) estudo das características e funções dos quatro elementos (fogo, terra, água e ar);
4) o homem deve buscar pautar sua vida e sua alma de acordo com as revoluções dos orbes celestes.

Há que se mencionar também a contribuição egípcia, que influenciou mais a astrologia hermética, fundada em textos herméticos [12] e gnósticos, nos quais o contexto religioso é preponderante.

Entretanto, segundo Barton, os textos atribuídos a Nechepso e Petosiris, ou aos "antigos egípcios", que são considerados textos herméticos pela tradição, parecem uma versão egípcia da literatura astrológica mesopotâmica [13].
O fato é que não é possível ter certeza de que a chamada astrologia helenista tenha sido desenvolvida no Egipto, embora, ao longo do século I da era cristã, essa tenha sido a crença vigente, até porque Alexandria tornou-se o centro, não só astrológico, mas intelectual do mundo ocidental.
Dessa maneira, muitos astrólogos cultivavam ou faziam referência aos textos herméticos.

[3] Suméria/Babilônia para alguns, Egito para outros, ou alguma outra civilização que nos teria deixado seus fragmentos, considerando-se a referência documentada a uma prática ainda mais antiga. Essa discussão existe há muito tempo, constando, p.ex., em obras como o De divinatione, de Cícero, na qual ele duvida dos 470 mil anos de idade atribuídos à astrologia.
[4] Cabe lembrar que a Suméria ficava na região sul da Mesopotâmia, e a Acádia, na região norte. A escrita cuneiforme foi inventada pelos sumérios e tornou-se, já no reino da Babilônia (segundo milênio a.C.), sinônimo de poder e prestígio para uma elite aristocrática que, além de registrar detalhadamente as observações celestes, para fins de calendário, agricultura e astrologia, redigiu leis, como o famoso "Código de Hammurabi" [cf. Hammurabi, Rei da Babilônia. O código de Hammurabi. Tradução de E. Bouzon (do original cuneiforme). Petrópolis: Ed. Vozes, 1976]
[5] cf. BARTON, T. Ancient astrology. London & NY: Routledge, 1994 - p. 10
[6] ibid - p. 23 - minha tradução
[7] idem
[8] Pode soar anacrônico o uso do termo "ciência" no contexto grego, dado que no mundo antigo nunca houve uma distinção clara entre ciência e religião, como há atualmente, entretanto, como esse assunto será discutido mais detalhadamente no próximo capítulo, reservemo-nos o direito de usar esse termo num sentido lato, abarcando inclusive o impulso científico de pensamento abstrato, análise, dedução e pesquisa dos povos mesopotâmicos [cf. BARTON, T. Ancient astrology. London & NY: Routledge, 1994 - p. 31]
[9] cf. mais informações sobre o estoicismo e a astrologia na próxima seção.
[10] cf. MARTINS, R. A. "A influência de Aristóteles na obra astrológica de Ptolomeu (O Tetrabiblos)" in Trans/Form/Ação. SP: 1995 - p. 51-78
[11] PLATÃO. Timeu - Crítias - O segundo Alcibíades - Hípias Menor. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2001
[12] A origem do hermetismo remonta a Hermes Trismegisto, personagem semidivino do Antigo Egito. Platão e Pitágoras são considerados "iniciados" na filosofia hermética, Bruno e Campanella defenderam o hermetismo, e Copérnico cita Hermes na introdução do De Revolutionibus.
[13] cf. BARTON, T. Ancient astrology. London & NY: Routledge, 1994 - p. 31


DA BABILÓNIA À INTERNET
Uma breve História da Astrologia

por Cristina Machado
http://www.constelar.com.br

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