quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

História da Astrologia VII (da Babilónia à Internet)

Pico della Mirandola

Os primórdios da ciência moderna e o declínio da cosmologia aristotélica

Uma das excepções a esse florescimento da astrologia no Renascimento foi Pico della Mirandola (1469-1533).
Na sua obra, Disputationes, critica a mistura de religião e ciência que ocorre na astrologia.
Para ele, o equívoco da astrologia decorre de dois fatores:
1) sua origem caldaica e egípcia, povos que, segundo ele, eram inaptos ao saber
2) não é rigorosa, mas pretende sê-lo.

O fascínio da astrologia, para Pico della Mirandola, é o seu caráter compósito, ciência e arte, que estimula a curiosidade e a cobiça humanas, além de lhe atribuir um ar de verossimilhança.
Para ele, há também uma tendência à veneração de tudo que é antigo, o que confere à astrologia um ar de sapiência e autoridade.
Pico della Mirandola fez uma história da astrologia para liquidar com o que ele considerava uma pseudociência [26], pois achava que ela não tinha rigor metódico nem critérios lógicos.
Para ele, o astrólogo visa apenas a glória e o lucro, pois sua atitude mental é no sentido de suscitar espanto e admiração. [27]


Copérnico

Nesse cenário, Copérnico (1473-1543) demonstra a teoria heliocêntrica, Galileu (1564-1642) aponta seu telescópio para o céu e a verifica, e Kepler (1571-1630) formula algumas de suas leis.

Kepler e Galileu eram astrólogos, mas concebiam a astrologia de maneira crítica, especialmente Kepler, que, segundo Fuzeau-Braesch, "situou assim, pela primeira vez, a astrologia entre as concepções científicas novas: ela permaneceu decididamente geocêntrica como ainda o é em nossos dias, e isso baseando-se em uma experiência terrestre afirmada, anunciando já posições modernas recentes" [28].

Esse é o contexto de transição para a ciência moderna, para um mundo cuja imagem é totalmente diferente da imagem anterior, pois há uma ruptura entre o mundo dos sentidos e o mundo da ciência, até então considerados coincidentes: o universo agora é infinito, e o céu e a Terra gozam do mesmo estatuto ontológico.

Segundo Koyré, "A grande inimiga da Renascença, do ponto de vista filosófico e científico, foi a síntese aristotélica, e pode dizer-se que sua grande obra foi a destruição dessa síntese." [29]

Paulo Rossi rejeita a idéia de que o heliocentrismo seja o único responsável pelo "fim" da astrologia.
Ele considera discutível o pressuposto embutido nessa ideia de que a ciência progride contínua e linearmente sem erros.
A astrologia continuou viva após Copérnico, entrelaçada à astronomia, à filosofia, etc.
As discussões sobre o sistema copernicano e o universo como máquina prosseguiram depois de Copérnico, já que Kepler fazia mapas astrológicos e Newton estudava astrologia, entre outros conhecimentos considerados ocultos. [31]

Stephen Hawking, por sua vez, atribui o declínio da astrologia no mundo moderno ao deslocamento do "lugar" do determinismo.
Para ele, as leis de Newton e as outras teorias físicas deslocaram esse objeto de desejo do homem, o determinismo, da astrologia para a ciência.
Hawking associa a ideia de determinismo científico, formulada pela primeira vez no século XIX por Laplace, à astrologia, da seguinte maneira: "(…) se o determinismo científico for válido, deveríamos, em tese, ser capazes de prever o futuro e não precisaríamos da astrologia". [33]
Galileu

A Igreja, que tinha apostado tudo na compatibilização do pensamento aristotélico com o cristianismo, gradativamente foi perdendo seu papel de portadora da verdade absoluta, e as Escrituras começaram a ser entendidas, pelo menos no meio científico-filosófico, como uma escrita simbólica.
A tese da dupla verdade mencionada anteriormente [34], supostamente averroísta, foi reafirmada por Galileu, o que o levou a ser acusado pela inquisição.
Mas esse foi um passo determinante para a ciência moderna, pois a ciência passou a constituir um ramo de estudo independente da religião. Segundo Camenietzki, "O cientista pode até mesmo estar estudando a obra de Deus, mas ele não mais guia as suas acções por princípios das Escrituras" [35].

[26] Para não soar anacrónico, é importante lembrar que o termo "pseudociência", usado em pleno Renascimento, não tem a mesma conotação de hoje em dia, assim como a própria noção de "ciência".
[27] cf. ROSSI, P. A ciência e a filosofia dos modernos. Tradução de Álvaro Lorencini. SP: UNESP, 1992 - p. 40
[28] FUZEAU-BRAESCH, S. A astrologia. Tradução de Lucy Magalhães. A astrologia. RJ: Jorge Zahar Editor, 1990 - p. 59
[29] KOYRÉ, A. Estudos de história do pensamento científico. Tradução de Márcio Ramalho. RJ: Forense universitária, 1991 - p. 47
[30] CAMENIETZKI, C.Z. A cruz e a luneta. RJ: Access, 2000 - p. 67
[31] cf. ROSSI, P. A ciência e a filosofia dos modernos. Tradução de Álvaro Lorencini. SP: UNESP, 1992
[33] HAWKING, S. O universo numa casca de noz. Tradução de Ivo Korytowski SP: Arx, 2001 - p.104
[34] cf. seção anterior, p.15
[35] CAMENIETZKI, C.Z. A cruz e a luneta. RJ: Access, 2000 - p. 93

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